23 de jul. de 2013

Os Anjos Segundo o Espiritismo



12. Que haja seres dotados de todas as qualidades atribuídas aos anjos, não restam dúvidas. A revelação espírita neste ponto confirma a crença de todos os povos, fazendo-nos conhecer ao mesmo tempo a origem e natureza de tais seres.

As almas ou Espíritos são criados simples e ignorantes, isto é, sem conhecimentos nem consciência do bem e do mal, porém, aptos para adquirir o que lhes falta.

O trabalho é o meio de aquisição, e o fim — que é a perfeição — é para todos o mesmo. Conseguem-no mais ou menos prontamente em virtude do livre-arbítrio e na razão direta dos seus esforços; todos têm os mesmos degraus a franquear, o mesmo trabalho a concluir. Deus não aquinhoa melhor a uns do que a outros, porquanto é justo, e, visto serem todos seus filhos, não tem predileções.

Ele lhes diz: Eis a lei que deve constituir a vossa norma de conduta; ela só pode levar-vos ao fim; tudo que lhe for conforme é o bem; tudo que lhe for contrário é o mal. Tendes inteira liberdade de observar ou infringir esta lei, e assim sereis os árbitros da vossa própria sorte.

Conseguintemente, Deus não criou o mal; todas as suas leis são para o bem, e foi o homem que criou esse mal, divorciando-se dessas leis; se ele as observasse escrupulosamente, jamais se desviaria do bom caminho.

13. Entretanto, a alma, qual criança, é inexperiente nas primeiras fases da existência, e daí o ser falível. Não lhe dá Deus essa experiência, mas dá-lhe meios de adquiri-la. Assim, um passo em falso na senda do mal é um atraso para a alma, que, sofrendo-lhe as conseqüências, aprende à sua custa o que importa evitar.

Deste modo, pouco a pouco, se desenvolve, aperfeiçoa e adianta na hierarquia espiritual até ao estado de puro Espírito ou anjo. Os anjos são, pois, as almas dos homens chegados ao grau de perfeição que a criatura comporta, fruindo em sua plenitude a prometida felicidade.

Antes, porém, de atingir o grau supremo, gozam de felicidade relativa ao seu adiantamento, felicidade que consiste, não na ociosidade, mas nas funções que a Deus apraz confiar-lhes, e por cujo desempenho se sentem ditosas, tendo ainda nele um meio de progresso.

14. A Humanidade não se limita à Terra; habita inúmeros mundos que no Espaço circulam; já habitou os desaparecidos, e habitará os que se formarem. Tendo-a criado de toda a eternidade, Deus jamais cessa de criá-la.

Muito antes que a Terra existisse e por mais remota que a suponhamos, outros mundos havia, nos quais Espíritos encarnados percorreram as mesmas fases que ora percorrem os de mais recente formação, atingindo seu fim antes mesmo que houvéramos saído das mãos do Criador.

De toda a eternidade tem havido, pois, puros Espíritos ou anjos; mas, como a sua existência humana se passou num infinito passado, eis que os supomos como se tivessem sido sempre anjos de todos os tempos.

15. Realiza-se assim a grande lei de unidade da Criação; Deus nunca esteve inativo e sempre teve puros Espíritos, experimentados e esclarecidos, para transmissão de suas ordens e direção do Universo, desde o governo dos mundos até os mais ínfimos detalhes.

Tampouco teve Deus necessidade de criar seres privilegiados, isentos de obrigações; todos, antigos e novos, adquiriram suas posições na luta e por mérito próprio; todos, enfim, são filhos de suas obras.

E, desse modo, completa-se com igualdade a soberana justiça do Criador.

O Céu e O Inferno
Capítulo VIII – Os Anjos

A Vida Futura




A vida futura já deixou de ser um problema. É um fato apurado pela razão e pela demonstração para a quase totalidade dos homens, porquanto os que a negam formam ínfima minoria, sem embargo do ruído que tentam fazer. Não é, pois, a sua realidade o que nos propomos demonstrar aqui.

Fora repetir-nos, sem acrescentarmos coisa alguma à convicção geral. Admitido que está o princípio, como primícias, o a que nos propomos é examinar-lhe a influência sobre a ordem social e a moralização, segundo a maneira por que é encarada.

As conseqüências do princípio contrário, isto é, do
nadismo, já são por demais conhecidas e bastante compreendidas, para que se torne necessário desenvolvê-las de novo. Apenas diremos que, se estivesse demonstrada a inexistência da vida futura, nenhum outro fim teria a vida presente, senão o da manutenção de um corpo que, amanhã, dentro de uma hora, poderá deixar de existir, ficando tudo, nesse caso, inteiramente acabado.

A conseqüência lógica de semelhante condição para a Humanidade seria concentrarem-se todos os pensamentos na incrementação dos gozos materiais, sem atenção aos prejuízos de outrem.

Por que, então, haveria alguém de suportar privações, de impor-se sacrifícios? Por que haveria de constranger-se para se melhorar, para se corrigir de defeitos? Seria também a absoluta inutilidade do remorso, do arrependimento, uma vez que nada se deveria esperar. Seria, afinal, a consagração do egoísmo e da máxima: O mundo pertence aos mais fortes e aos mais espertos.

Sem a vida futura, a moral não passa de mero constrangimento, de um código convencional, arbitrariamente imposto; nenhuma raiz teria ela no coração. Uma sociedade fundada em tal crença só teria por elo, a prender-lhe os membros, a força e bem depressa cairia em dissolução.

Não se objete que, entre os negadores da vida futura, há pessoas honestas, incapazes de cientemente causar dano a quem quer que seja e suscetíveis dos maiores devotamentos. Digamos, antes de tudo, que, entre muitos incrédulos, a negação do porvir é mais fanfarronada, jactância, orgulho de passarem por espíritos fortes, do que resultado de uma convicção absoluta.

No foro íntimo de suas consciências, há uma dúvida a importuná-los, pelo que procuram eles atordoar-se. Não é, porém, sem dissimulação que pronunciam o terrível nada, que os priva do fruto de todos os trabalhos da inteligência e despedaça para sempre as mais caras afeições.

Muitos dos que mais forte deblateram são os primeiros a tremer ante a idéia do desconhecido; por isso mesmo, quando se lhes aproxima o momento fatal de entrarem nesse desconhecido, bem poucos são os que adormecem, no derradeiro sono, na firme persuasão de que não despertarão algures, visto que a Natureza jamais abdica dos seus direitos.

Afirmamos, pois, que, na maioria dos incrédulos, a incredulidade é muito relativa, isto é, que, não lhes estando satisfeita a razão, nem com os dogmas, nem com as crenças religiosas, e nada tendo encontrado, em parte alguma, com que enchessem o vazio que se lhes fizera no íntimo, eles concluíram que nada há e edificaram sistemas com
que justificassem a negação. Não são, conseguintemente, incrédulos, senão por falta de coisa melhor. Os absolutamente incrédulos são raríssimos, se é que existem.

Uma latente e inconsciente intuição do futuro é, portanto, capaz de deter grande número deles no declive do mal e uma imensidade de atos se poderiam citar, mesmo da parte dos mais endurecidos, testificantes da existência desse sentimento secreto que os domina, a seu mau grado.

Cumpre também dizer que, seja qual for o grau da incredulidade, o respeito humano é o que torna reservadas as pessoas de certa condição social. A posição que ocupam os obriga a uma linha de proceder muito discreta; temem acima de tudo a desconsideração e o desdém que, fazendo-os perder, por decaírem da categoria em que se encontram, as atenções do mundo, os privariam dos gozos de que desfrutam; se carecem de um fundo de virtudes, pelo menos têm destas o verniz.

Mas, aos que nenhuma razão se apresenta para se preocuparem com a opinião dos outros, aos que zombam do “que dirão”, e não há contestar que esses formam a maioria, que freio se pode impor ao transbordamento das paixões brutais e dos apetites grosseiros? Em que base assentar a teoria do bem e do mal, a necessidade de eles reformarem seus maus pendores, o dever de respeitarem o que pertence aos outros, quando eles próprios nada possuem?

Qual pode ser o estímulo à honradez, para criaturas a quem se haja persuadido que não passam de simples animais? A lei, respondem, aí está para contê-los; mas, a lei não é um código de moral que toque o coração; é uma força cuja ação eles suportam e que iludem, se o podem. Se lhe caem sob o guante, isso é por eles tido como resultado de má sorte ou de inabilidade, a que tratam de remediar na primeira ocasião.

Os que pretendem que os incrédulos têm mais mérito em fazer o bem, por não esperarem nenhuma recompensa numa vida futura, em que não crêem, se valem de um sofisma igualmente mal fundado. Também os crentes dizem que é pouco meritório o bem praticado com vistas em vantagens que possam colher. Vão mesmo mais longe, porquanto se acham persuadidos de que o mérito pode ser completamente anulado, tal o móvel que determine a ação.

A perspectiva da vida futura não exclui o desinteresse nas boas obras, porque a ventura que elas proporcionam está, antes de tudo, subordinada ao grau de adiantamento moral do indivíduo. Ora, os orgulhosos e os ambiciosos se contam entre os menos aquinhoados.

Mas, os incrédulos que praticam o bem são tão desinteressados como o pretendem? Será que, nada esperando do outro mundo também deste nada esperem? O amor-próprio não tem no caso a sua parte? Serão eles insensíveis aos aplausos dos homens?Se tal acontecesse, estariam num grau de perfeição rara e não cremos haja muitos que a tanto sejam induzidos unicamente pelo culto da matéria.

Objeção mais séria é esta: Se a crença na vida futura é um elemento moralizador, como é que aqueles a quem se prega isso desde que vêm ao mundo são igualmente tão maus?

Primeiramente, quem nos diz que sem isso não seriam piores? Não há duvidar, desde que se considerem os resultados inevitáveis da popularização do nadismo. Não se comprova, ao contrário, observando-se as diferentes graduações
da Humanidade, desde a selvajaria até a civilização, que o progresso intelectual e moral vai à frente, produzindo o abrandamento dos costumes e uma concepção mais racional da vida futura?

Essa concepção, no entanto, por muito imperfeita, ainda não pode exercer a influência que necessariamente terá, à medida que for mais bem compreendida e que se adquiram noções mais exatas sobre o futuro que nos está reservado.

Por muito sólida que seja a crença na imortalidade, o homem não se preocupa com a sua alma, senão de um ponto de vista místico. A vida futura, definida com extrema falta de clareza, só muito vagamente o impressiona; não passa de um objetivo que se perde muito ao longe e não um meio, porque a sorte lhe está irrevogavelmente assinada e em parte alguma lha apresentam como progressiva, donde se conclui que aquilo que formos, ao sair daqui, sê-lo-emos por toda a eternidade.

Aliás, o quadro que traçam da vida futura, as condições determinantes da felicidade ou da desventura que lá se experimentam, longe estão, sobretudo num século de exame, como o nosso, de satisfazer completamente à razão.

Acresce que ela não se prende muito diretamente à vida terrestre, nenhuma solidariedade havendo entre as duas, mas, antes, um abismo, de maneira que aquele que se preocupa principalmente com uma das duas quase sempre perde a outra de vista.

Sob o império da fé cega, essa crença abstrata bastará às inspirações dos homens que, então, se deixavam conduzir. Hoje, porém, sob o reinado do livre-exame, eles querem conduzir-se por si mesmos, ver com seus próprios olhos e compreender.

Aquelas vagas noções da vida futura já não estão à altura das novas idéias e já não correspondem às necessidades que o progresso criou. Com o desenvolvimento das idéias, tudo tem que progredir em torno do homem, porque tudo se liga, tudo é solidário em a Natureza: ciências, crenças, cultos, legislações, meios de ação.

O movimento para a frente é irresistível, porque é lei da existência dos seres. O que quer que fique para trás, abaixo do nível social, é posto de lado, como vestuário que se tornou imprestável e, finalmente, arrastado pela onda que se avoluma.

O mesmo acontece com as idéias pueris sobre a vida futura, com que os nossos pais se contentavam; persistir hoje em impô-las seria propagar a incredulidade. Para que a opinião geral a aceite e para que ela exerça sua ação moralizadora, a vida futura tem que ser apresentada sob o aspecto de coisa positiva, de certo modo tangível e capaz de suportar qualquer exame, satisfazendo à razão, sem nada deixar na sombra.

No momento em que a precariedade das noções sobre o porvir abria a porta à dúvida e à incredulidade, novos meios de investigação foram conferidos ao homem, para penetrar esse mistério e fazer-lhe compreender a vida futura na sua realidade, em seu positivismo, nas suas relações íntimas com a vida corpórea.

Por que, em geral, se cuida tão pouco da vida futura? Trata-se, no entanto, de uma atualidade, pois que todos os dias milhares de homens partem para esse destino desconhecido. Tendo cada um de nós de partir por sua vez e podendo a hora da partida soar de um momento para outro, parece natural que todos se preocupem com o que sucederá.

Por que não se dá isso? Precisamente porque é desconhecido o destino e porque, até ao presente, ninguém tinha meio de conhecê-lo. A Ciência, inexorável, o desalojou dos lugares onde o tinham limitado. Está ele perto? Está longe? Acha-se perdido no infinito? As filosofias de antanho nada respondem, porque nada sabem a respeito. Diz-se então: “Será o que for.” Indiferença.

Ensinam-nos que seremos felizes ou infelizes, conforme houvermos vivido bem ou mal. Mas, isso é tão vago! Em que consistem essa felicidade e essa infelicidade? O quadro que de uma e outra nos traçam tão em desacordo está com a idéia que fazemos da justiça de Deus, tão cheio de contradições, de inconseqüências, de impossibilidades radicais, que involuntariamente a dúvida se apresenta, senão a incredulidade absoluta.

Ao demais, pondera-se que os que se enganaram com relação aos lugares indicados para moradas futuras também podem ter sido induzidos em erro, quanto às condições que estatuem para a felicidade e para o sofrimento. Aliás, como seremos nesse outro mundo? Seremos seres concretos ou abstratos? Teremos uma forma ou uma aparência?

Se nada de material tivermos, como poderemos experimentar sofrimentos materiais? Se os ditosos nada tiverem que fazer, a ociosidade perpétua, em vez de uma recompensa, será um suplício, a menos que se admita o Nirvana do budismo, que não é mais desejável do que aquela ociosidade.

O homem não se preocupará com a vida futura, senão quando vir nela um fim claro e positivamente definido, uma situação lógica, em correspondência com todas as suas aspirações, que resolva todas as dificuldades do presente e em que não se lhe depare coisa alguma que a razão não possa admitir.

Se ele se preocupa com o dia seguinte, é porque a vida do dia seguinte se liga intimamente à vida do dia anterior; uma e outra são solidárias; ele sabe que do que fizer hoje depende a sua posição amanhã e que do que fizer amanhã dependerá a sua posição no dia imediato e assim por diante.

Tal tem de ser para ele a vida futura, quando esta não mais se achar perdida nas nebulosidades da abstração e for uma atualidade palpável, complemento necessário da vida presente, uma das fases da vida geral, como os dias são fases da vida corporal.

Quando vir o presente reagir sobre o futuro, pela força das coisas, e, sobretudo, quando compreender a reação do futuro sobre o presente; quando, em suma, verificar que o passado, o presente e o futuro se encadeiam por inflexível necessidade, como o ontem, o hoje e o amanhã na vida atual, oh! então suas idéias mudarão completamente, porque ele verá na vida futura não
só um fim, como também um meio; não um efeito distante, mas atual.

Então, igualmente, essa crença exercerá sem dúvida, e por uma conseqüência toda natural, ação preponderante sobre o estado social e sobre a moralização da Humanidade.

Tal o ponto de vista donde o Espiritismo nos faz considerar a vida futura.

Obras Póstumas
Primeira Parte

Minha Missão





Pela sua firmeza e perseverança, o vosso Presidente desmanchou os projetos dos que procuravam destruir-lhe o crédito e arruinar a Sociedade, na esperança de desfecharem na Doutrina um golpe fatal. Honra lhe seja! Fique ele certo de que estamos a seu lado e que os Espíritos de sabedoria se sentirão felizes por poderem assisti-lo em sua missão.

Quantos desejariam desempenhar a sombra dessa missão, para receberem a sombra dos benefícios que decorrem dela!

Ela, porém, é perigosa e, para cumpri-la, são necessárias uma fé e uma vontade inabaláveis, assim como abnegação e coragem para afrontar as injúrias, os sarcasmos, as decepções e não se alterar com a lama que a inveja e a calúnia atirem. Nessa posição, o menos que pode acontecer a quem a ocupa é ser tratado de louco e de charlatão.

Deixai que falem, deixai que pensem livremente: tudo, exceto a felicidade eterna, dura pouco. Tudo vos será levado em conta e ficai sabendo que, para ser-se feliz, é preciso que se haja contribuído para a felicidade dos pobres seres de que Deus povoou a vossa terra. Permaneça, pois, tranqüila e serena a vossa consciência: é o precursor da felicidade celeste.

Obras Póstumas
Segunda Parte

Os Desertores




Se é certo que todas as grandes idéias contam apóstolos fervorosos e dedicados, não menos certo é que mesmo as melhores dentre elas têm seus desertores. O Espiritismo não podia escapar aos efeitos da fraqueza humana. Ele também teve os seus e a esse respeito não serão inúteis algumas observações.

Nos primeiros tempos, muitos se equivocaram sobre a natureza e os fins do Espiritismo e não lhe perceberam o alcance. Antes de tudo mais, excitou a curiosidade; muitos eram os que não viam nas manifestações espíritas mais do que simples objeto de diversão; divertiram-se com os Espíritos,
enquanto estes quiseram diverti-los. Constituíam um passatempo, muitas vezes complementar das reuniões familiares.

Esta maneira por que a princípio a coisa se apresentou foi uma tática hábil dos Espíritos. Sob a forma de divertimento, a idéia penetrou por toda parte e semeou germens, sem espavorir as consciências timoratas. Brincaram com a criança, mas a criança tinha de crescer.

Quando aos Espíritos facetos sucederam os Espíritos sérios, moralizadores; quando o Espiritismo se tornou ciência, filosofia, as pessoas superficiais deixaram de achá-lo divertido; para os que se preocupam sobretudo com a vida material, era um censor importuno e embaraçoso, pelo que não poucos o puseram de lado.

Não há que deplorar a existência desses desertores, porquanto as criaturas frívolas não passam de pobres auxiliares, seja no que for. Todavia, essa primeira fase não se pode considerar tempo perdido. Graças àquele disfarce, a idéia se popularizou cem vezes mais do que se houvera, desde o primeiro momento, revestido severa forma, e daqueles meios levianos e displicentes saíram graves pensadores.

Postos em moda pelo atrativo da curiosidade, constituindo um engodo, os fenômenos tentaram a cupidez dos que andam à cata do que surge como novidade, na esperança de encontrar aí uma porta aberta. As manifestações pareceram coisa maravilhosamente explorável e não faltou quem pensasse em fazer delas um auxiliar de seus negócios; para outros, eram uma variante da arte da adivinhação, um processo, talvez mais seguro do que a cartomancia, a quiromancia, a borra de café, etc., etc., para se conhecer o futuro e descobrir coisas ocultas, uma vez que, segundo a
opinião então corrente, os Espíritos tudo sabiam.

Vendo, afinal, essas pessoas que a especulação lhes escapava dentre os dedos e dava em mistificação, que os Espíritos não vinham ajudá-las a enriquecer, nem lhes indicar números que seriam premiados nas loterias, ou revelar-lhes a boa sorte, ou levá-las a descobrir tesouros, ou a receber heranças, nem ainda facultar-lhes uma invenção frutuosa de que tirassem patente, suprir-lhes em suma a ignorância e dispensá-las do trabalho intelectual e material, os Espíritos para nada serviam e suas manifestações não passavam de ilusões.

Tanto essas pessoas deferiram louvores ao Espiritismo, durante todo o tempo em que esperaram auferir dele algum proveito, quanto o denegriram desde que chegou a decepção. Mais de um dos críticos que o vituperam tê-lo-iam elevado às nuvens, se ele houvesse feito que descobrissem um tio rico na América, ou que ganhassem na Bolsa. Das categorias dos desertores, é essa a mais numerosa; mas, compreende-se que os que a formam não podem ser qualificados de espíritas.

Também essa fase apresentou sua utilidade. Mostrando o que não se devia esperar do concurso dos Espíritos, ela deu a conhecer o objetivo sério do Espiritismo e depurou a doutrina. Sabem os Espíritos que as lições da experiência são as mais proveitosas; se, logo de começo, eles dissessem: Não peçais isto ou aquilo, porque nada conseguires, ninguém mais lhes daria crédito. Essa a razão por que deixaram que as coisas tomassem o rumo que tomaram: foi para que da observação ressaltasse a verdade. As decepções desanimaram os exploradores e contribuíram para que o número deles diminuísse. Eram parasitos de que elas, as decepções, livraram o Espiritismo, e não adeptos sinceros.

Alguns indivíduos, mais perspicazes do que outros, entreviram o homem na criança que acabava de nascer e temeram-na, como Herodes temeu o menino Jesus. Não se atrevendo a atacar de frente o Espiritismo, esses indivíduos incitaram agentes com o encargo de o abraçarem para asfixiá-lo; agentes que se mascaram para em toda parte se intrometerem, para suscitarem habilmente a desafeição nos centros e espalharem, dentro destes, com furtiva mão, o veneno da calúnia, acendendo, ao mesmo tempo, o facho da discórdia, inspirando atos comprometedores, tentando desencaminhar a doutrina, a fim de torná-la ridícula ou odiosa e simular em seguida defecções.

Outros ainda são mais habilidosos: pregando a união, semeiam a separação; destramente levantam questões irritantes e ferinas; despertam o ciúme da preponderância entre os diferentes grupos; deleitar-se-iam, vendo-os apedrejar-se e erguer bandeira contra bandeira, a propósito de algumas divergências de opiniões sobre certas questões de forma ou de fundo, as mais das vezes provocadas intencionalmente. Todas as doutrinas têm tido seus Judas; o Espiritismo não poderia deixar de ter os seus e eles ainda não lhe faltaram.

Esses são espíritas de contrabando, mas que também foram de alguma utilidade: ensinaram ao verdadeiro espírita a ser prudente, circunspecto e a não se fiar nas aparências.

Por princípio, deve-se desconfiar dos entusiasmos
demasiado febris: são quase sempre fogo de palha, ou simulacros, ardores ocasionais, que suprem com a abundância de palavras a falta de atos. A verdadeira convicção é calma, refletida, motivada; revela-se, como a verdadeira coragem, pelos fatos, isto é, pela firmeza, pela perseverança
e, sobretudo, pela abnegação. O desinteresse moral e material é a legítima pedra de toque da sinceridade.

Tem esta um cunho sui generis; exterioriza-se por matizes muitas vezes mais fáceis de ser compreendidos do que definidos; é sentida por efeito dessa transmissão do pensamento, cuja lei o Espiritismo regulou, sem que a falsidade chegue nunca a simulá-la completamente, visto não lhe ser
possível mudar a natureza das correntes fluídicas que projeta de si. Ela, a sinceridade, considera erro dar troco à baixa e servil lisonja, que somente seduz as almas orgulhosas, lisonja por meio da qual precisamente a falsidade se trai para com as almas elevadas.

Jamais pode o gelo imitar o calor.

Se passarmos à categoria dos espíritas propriamente ditos, ainda aí depararemos com certas fraquezas humanas, das quais a doutrina não triunfa imediatamente. As mais difíceis de vencer-se são o egoísmo e o orgulho, as duas paixões originárias do homem. Entre os adeptos convictos, não há deserções, na lídima acepção do termo, visto como aquele que desertasse, por motivo de interesse ou qualquer outro, nunca teria sido sinceramente espírita; pode, entretanto, haver desfalecimentos.

Pode dar-se que a coragem e a perseverança fraqueiem diante de uma decepção, de uma ambição frustrada, de uma preeminência não alcançada, de uma ferida no amor-próprio, de uma prova difícil. Há o recuo ante o sacrifício do bem-estar, ante o receio de comprometer os interesses materiais, ante o medo do “que dirão?”; há o ser-se abatido por uma mistificação, tendo como conseqüência, não o afastamento, mas o esfriamento; há o querer viver para si e não para os outros, o beneficiar-se da crença, mas sob a condição de que isso nada custe.

Sem dúvida, podem os que assim procedem ser crentes, mas, sem contestação, crentes egoístas, nos quais a fé não ateou o fogo sagrado do devotamento e da abnegação; às suas almas custa o desprenderem-se da matéria. Fazem nominalmente número, porém não há contar com eles.

Todos os outros são espíritas que em verdade merecem esse qualificativo. Aceitam por si mesmos todas as conseqüências da doutrina e são reconhecíveis pelos esforços que empregam por melhorar-se.

Sem desprezarem, além dos limites do razoável, os interesses materiais, estes são, para eles, o acessório e não o principal; não consideram a vida terrena senão como travessia mais ou menos penosa; estão certos de que do emprego útil ou inútil que lhe derem depende o futuro; têm por mesquinhos os gozos que ela proporciona, em face do objetivo esplêndido que entrevêm no além; não se intimidam com os obstáculos com que topem no caminho; vêem nas vicissitudes e decepções provas que não lhes causam desânimo, porque sabem que o repouso será o prêmio do trabalho. Daí vem que não se verificam entre eles deserções, nem falências.

Por isso mesmo, os bons Espíritos protegem manifestamente os que lutam com coragem e perseverança, aqueles cujo devotamente é sincero e sem idéias preconcebidas; ajudam-nos a vencer os obstáculos e suavizam as provas que não possam evitar-lhes, ao passo que, não menos manifestamente, abandonam os que se afastam deles e sacrificam a causa da verdade às suas ambições pessoais.

Deveremos incluir também entre os desertores do Espiritismo os que se retiram porque a nossa maneira de ver não lhes satisfaz; os que, por acharem muito lento ou muito rápido o nosso método, pretendem alcançar mais depressa e em melhores condições a meta a que visamos? Certamente que não, se têm por guia a sinceridade e o desejo de propagar a verdade. — Sim, se seus esforços tendem unicamente a se porem eles em evidência e a chamar sobre si a atenção pública, para satisfação do amor-próprio e de interesses pessoais!…

Tendes um modo de ver diferente do nosso, não simpatizais com os princípios que admitimos! Nada prova que estais mais próximos da verdade do que nós. Pode-se divergir de opinião em matéria de ciência; investigai do vosso lado, como nós investigamos do nosso; o futuro dará a ver qual de nós está em erro ou com a razão. Não pretendemos ser os únicos a reunir as condições fora das quais não são possíveis estudos sérios e úteis; o que temos feito podem outros, sem dúvida, fazer. Que os homens inteligentes se agreguem a nós, ou se congreguem longe de nós, pouco importa!… Se os centros de estudos se multiplicarem, tanto melhor; será um sinal de incontestável progresso, que aplaudiremos com todas as nossas forças.

Quanto às rivalidades, às tentativas que façam por nos suplantarem, temos um meio infalível de não as temer. Trabalhamos para compreender, por enriquecer a nossa inteligência e o nosso coração; lutamos com os outros, mas lutamos com caridade e abnegação. O amor do próximo inscrito em nosso estandarte é a nossa divisa; a pesquisa da verdade, venha donde vier, o nosso único objetivo. Com tais sentimentos, enfrentamos a zombaria dos nossos adversários e as tentativas dos nossos competidores.

Se nos enganarmos, não teremos o tolo amor-próprio que nos leve a obstinar-nos em idéias falsas; há, porém, princípios acerca dos quais podemos todos estar seguros de nos não enganarmos nunca: o amor do bem, a abnegação, a proscrição de todo sentimento de inveja e de ciúme. Estes princípios são os nossos; vemos neles os laços que prenderão todos os homens de bem, qualquer que seja a divergência de suas opiniões. Somente o egoísmo e a má-fé erguem entre eles barreiras intransponíveis.

Mas, qual será a conseqüência de semelhante estado de coisas? Indubitavelmente, o proceder dos falsos irmãos poderá de momento acarretar algumas perturbações parciais, pelo que todos os esforços devem ser empregados para levá-los ao malogro, tanto quanto possível; essas perturbações, porém, pouco tempo necessariamente durarão e não poderão ser prejudiciais ao futuro: primeiro, porque são simples manobras de oposição, fadadas a cair pela força mesma das coisas; depois, digam o que disserem, ou façam o que fizerem, ninguém seria capaz de privar a doutrina do seu caráter distintivo, da sua filosofia racional e lógica, da sua moral consoladora e regeneradora.

Hoje, estão lançadas de forma inabalável as bases do Espiritismo; os livros escritos sem equívoco e postos ao alcance de todas as inteligências serão sempre a expressão clara e exata do ensino dos Espíritos e o transmitirão intacto aos que nos sucederem.

Insta não perder de vista que estamos num momento de transição e que nenhuma transição se opera sem conflito. Ninguém, pois, deve espantar-se de que certas paixões se agitem, por efeito de ambições malogradas, de interesses feridos, de pretensões frustradas. Pouco a pouco, porém, tudo isso se extingue, a febre se abranda, os homens passam e as novas idéias permanecem. Espíritas, se quereis ser invencíveis, sede benévolos e caridosos; o bem é uma couraça contra a qual sempre se quebrarão as manobras da malevolência!…

Nada, pois, temamos: o futuro nos pertence. Deixemos que os nossos adversários se debatam, apertados pela verdade que os ofusca; qualquer oposição é impotente contra a evidência, que inevitavelmente triunfa pela força mesma das coisas. É uma questão de tempo a vulgarização universal do Espiritismo e neste século o tempo marcha a passo de gigante, sob a impulsão do progresso.

Allan Kardec

NOTA — Como complemento deste artigo, publicamos uma instrução que sobre o mesmo assunto Allan Kardec deu, logo que voltou ao mundo dos Espíritos. Pareceu-nos interessante, para os nossos leitores, juntar às páginas eloqüentes e viris que se acabam de ler a opinião atual do organizador por excelência da nossa filosofia.
*
“Quando eu me achava corporalmente entre vós, disse muitas vezes que havia de fazer aí uma história do Espiritismo, que não seria destituída de interesse. É este, ainda agora, o meu parecer e os elementos que eu reunira para esse fim poderão servir um dia à realização da minha idéia. É que eu, com efeito, me encontrava mais bem colocado do
que qualquer outro para apreciar o curioso espetáculo que a descoberta e a vulgarização de uma grande verdade provocara.

Pressentia outrora, hoje sei, que ordem maravilhosa e que harmonia inconcebível presidem à concentração de todos os documentos destinados a dar nascimento à nova obra. A benevolência, a boa vontade, o devotamento absoluto de uns; a má-fé, a hipocrisia, as maldosas manobras de outros, tudo concorre para garantir a estabilidade do edifício que se eleva. Nas mãos das potestades superiores, que presidem a todos os progressos, as resistências inconscientes ou simuladas, os ataques visando semear o descrédito e o ridículo, se tornam elementos de elaboração.

Que não têm feito! Que é o que não têm posto em ação para asfixiar no berço a criança!

A princípio o charlatanismo e a superstição quiseram, ora um, ora outra, apoderar-se dos nossos princípios, a fim de os explorarem em proveito próprio; todos os raios da imprensa se projetaram contra nós; chasquearam das coisas mais respeitáveis; atribuíram aos Espíritos do mal os ensinos dos Espíritos mais dignos da admiração e da veneração universais; entretanto, todos esses esforços conjugados mais não conseguiram, senão proclamar a impotência dos nossos adversários.

É dentro dessa luta incessante contra os preconceitos firmados, contra erros acreditados, que se aprende a conhecer os homens. Eu sabia, ao consagrar-me à obra da minha predileção, que me expunha ao ódio, à inveja e ao ciúme dos outros. O caminho se achava inçado de dificuldades que de contínuo se renovavam. Nada podendo contra a doutrina, atiravam-se ao homem; mas, por esse lado, eu me sentia forte, porque renunciara à minha personalidade.

Que me importavam os esforços da calúnia; a minha consciência e a grandeza do objetivo me faziam esquecer de boa vontade as urzes e os espinhos da estrada. Os testemunhos de simpatia e de estima, que recebi dos que me souberam apreciar, constituíram a mais estimável recompensa que eu jamais ambicionara.

Mas, ah! quantas vezes teria sucumbido ao peso da minha tarefa, se a afeição e o reconhecimento de muitos não me houvessem feito olvidar a ingratidão e a injustiça de alguns, porquanto, se os ataques contra mim dirigidos sempre me encontraram insensível, penosamente magoado me sentia, devo dizê-lo, todas as vezes que descobria falsos amigos entre aqueles com quem mais contava.

Se é justo censurar os que hão tentado explorar o Espiritismo ou desnaturá-lo em seus escritos, sem o terem previamente estudado, quão mais culpados não são os que, depois de lhe haverem assimilado todos os princípios, não contentes de se lhe apartarem do seio, contra ele voltaram todos os seus esforços! É, sobretudo, para os desertores
dessa categoria que devemos implorar a misericórdia divina, pois que apagaram voluntariamente o facho que os iluminava e com o qual podiam esclarecer os outros. Eles, por isso, logo perdem a proteção dos bons Espíritos e, conforme a triste experiência que temos feito, bem depressa chegam, de queda em queda, às mais críticas situações!

Desde que voltei para o mundo dos Espíritos, tornei a ver alguns desses infelizes! Arrependem-se agora; lamentam a inação em que ficaram e a má-vontade de que deram prova, sem lograrem, todavia, recuperar o tempo perdido!…

Tornarão em breve à Terra, com o firme propósito de concorrerem ativamente para o progresso e se verão ainda em luta com as tendências antigas, até que definitivamente triunfem.

Fora de crer que os espíritas de hoje, esclarecidos por esses exemplos, evitariam cair nos mesmos erros. Assim, porém, não é. Ainda por longo tempo haverá irmãos falsos e amigos desassisados; mas, tal como seus irmãos mais velhos, não conseguirão fazer que o Espiritismo saia da sua diretriz. Embora causem algumas perturbações momentâneas e puramente locais, nem por isso a doutrina periclitará.

Ao contrário, os espíritas transviados bem depressa reconhecerão o erro em que incidiram e virão colaborar com maior ardor na obra por um instante abandonada e, atuando de acordo com os Espíritos superiores que dirigem as transformações humanitárias, caminharão a passo
rápido para os ditosos tempos prometidos à Humanidade regenerada.

Allan Kardec
Paris, novembro de 1869

Obras Póstumas
Primeira Parte

Da Obsessão e da Possessão




56. A obsessão consiste no domínio que os maus Espíritos assumem sobre certas pessoas, com o objetivo de as escravizar e submeter à vontade deles, pelo prazer que experimentam em fazer o mal.

Quando um Espírito, bom ou mau, quer atuar sobre
um indivíduo, envolve-o, por assim dizer, no seu perispírito, como se fora um manto. Interpenetrando-se os fluidos, os pensamentos e as vontades dos dois se confundem e o Espírito, então, se serve do corpo do indivíduo, como se fosse seu, fazendo-o agir à sua vontade, falar, escrever, desenhar, quais os médiuns.

Se o Espírito é bom, sua atuação é suave, benfazeja, não impele o indivíduo senão à prática de atos bons; se é mau, força-o a ações más. Se é perverso e malfazejo, aperta-o como numa teia, paralisa-lhe até a vontade e mesmo o juízo, que ele abafa com o seu fluido, como se abafa o fogo sob uma camada d’água.

Fá-lo pensar, falar, agir em seu lugar, impele-o, a seu mau grado, a atos extravagantes ou ridículos; magnetiza-o, em suma, lança-o num estado de catalepsia moral e o indivíduo se torna um instrumento da sua vontade. Tal a origem da obsessão, da fascinação e da subjugação que se produzem em graus muito diversos de integridade.

À subjugação, quando no paroxismo, é que vulgarmente dão o nome de possessão.

É de notar-se que, nesse estado, o indivíduo tem muitas vezes consciência de que o que faz é ridículo, mas é forçado a fazê-lo, tal como se um homem mais vigoroso do que ele o obrigasse a mover, contra a vontade, os braços, as pernas e a língua.

57. Pois que os Espíritos existiram em todos os tempos, também desde todos os tempos representaram o mesmo papel, porque esse papel é da natureza e a prova está no grande número que sempre houve de pessoas obsidiadas, ou possessas, se o preferirem, antes que se falasse de Espíritos, ou que, nos dias atuais, se ouvisse falar de Espiritismo, nem de médiuns.

É, pois, espontânea a ação dos Espíritos, bons ou maus; a destes produz uma imensidade de perturbações na economia moral e mesmo física, perturbações que, por ignorância da verdadeira causa, atribuíam a causas errôneas.

Os Espíritos maus são inimigos invisíveis, tanto mais perigosos, quanto da ação deles não se suspeitava. Desmascarando-os, o Espiritismo revela uma nova causa de certos males da Humanidade. Conhecida a causa, não mais se procurará combater o mal por meios que já se sabem inúteis; procurar-se-ão outros mais eficazes.

Ora, que foi o que fez se descobrisse aquela causa? A mediunidade. Foi pela mediunidade que esses inimigos ocultos traíram a sua presença; ela foi para eles o que o microscópio foi para os infinitamente pequenos: revelou todo um mundo.

O Espiritismo não atraiu os maus Espíritos: desvendou-os e forneceu os meios de se lhes paralisar a ação e, por conseguinte, de afastá-los.

Não foi ele quem trouxe o mal, visto que o mal existe desde todos os tempos; ele, ao contrário, dá remédio ao mal, apontando-lhe a causa. Uma vez reconhecida a ação do mundo invisível, ter-se-á a explicação de um sem-número de fenômenos incompreendidos e a Ciência, enriquecida com o conhecimento dessa nova lei, verá abrir-se diante de si novos horizontes.

Quando chegará ela a isso? Quando deixar de professar o materialismo, porquanto o materialismo lhe detém o vôo, opondo-lhe intransponível barreira.

58. Pois que há Espíritos maus que obsidiam e Espíritos bons que protegem, perguntam muitos se os primeiros são mais poderosos do que os segundos.

Não é que o bom Espírito seja mais fraco; o médium é que não tem força bastante para alijar de si o manto que lhe atiraram em cima, para se desprender dos braços que o enlaçam e nos quais, cumpre dizê-lo, às vezes se compraz.

Neste caso, compreende-se que o bom Espírito não possa levar vantagem, pois que o outro é preferido. Admitamos, porém, que a vítima deseje desembaraçar-se do envoltório fluídico que penetra o seu, como a umidade penetra as roupas.
Esse desejo nem sempre bastará. A própria vontade nem sempre é suficiente.

Trata-se de lutar contra um adversário. Ora, quando dois homens lutam corpo a corpo, aquele que dispõe de mais fortes músculos é que abate o outro. Com um Espírito tem-se de lutar, não corpo a corpo, mas Espírito a Espírito e é ainda o mais forte que triunfa.

Aqui, a força reside na autoridade que se possa exercer sobre o obsessor e essa autoridade está subordinada à superioridade moral. Esta é como o Sol que dissipa o nevoeiro pela potencialidade dos seus raios.

Esforçar-se por ser bom, por se tornar melhor se já é bom, por purificar-se de suas imperfeições, por, numa palavra, elevar-se moralmente o mais possível, tal o meio de o encarnado adquirir o poder de mandar sobre os Espíritos inferiores, para os afastar. De outro modo estes zombarão das suas injunções.

Entretanto, objetar-se-á, por que os Espíritos protetores não lhes ordenam que se retirem? Sem dúvida, podem fazê-lo e algumas vezes o fazem. Mas, permitindo a luta, deixam ao atacado o mérito da vitória. Se consentem que se debatam criaturas que, sob certos aspectos, têm seus merecimentos, é para lhes experimentar a perseverança e para levá-las a adquirir mais força no campo do bem. A luta é uma espécie de ginástica moral.

Muitas pessoas prefeririam certamente outra receita mais fácil para repelirem os maus Espíritos: por exemplo, algumas palavras que se proferissem, ou alguns sinais que se fizessem, o que seria mais simples do que corrigir-se alguém de seus defeitos. Sentimos muito; porém, nenhum meio eficaz conhecemos de vencer-se um inimigo, senão o fazer-se mais forte que ele.

Quando estamos doentes, temos que resignar-nos a tomar um medicamento, por muito amargo que seja; mas, também, se tivermos tido a coragem de bebê-lo, como nos sentimos bem e fortes! Temos pois que nos persuadir de que não há, para alcançarmos aquele resultado, nem palavras sacramentais, nem fórmulas, nem talismãs, nem sinais materiais quaisquer.

De tudo isso riem-se os maus Espíritos e não raro se comprazem em indicar alguns, tendo sempre o cuidado de afirmá-los infalíveis, para melhormente captarem a confiança daqueles a quem querem iludir, porque, então, estes, confiantes nas virtudes do processo aconselhado, se entregam sem receio.

Antes de pretender, quem quer que seja, domar um
Espírito mau, precisa cuidar de domar-se a si mesmo. De todos os meios de adquirir-se força para chegar a isso, o mais eficiente é a vontade secundada pela prece, a prece do coração, entenda-se, e não a de palavras, das quais a boca participa mais do que o pensamento.

Precisamos pedir ao nosso anjo guardião e aos bons Espíritos que nos assistam na luta; não basta, porém, lhes peçamos que afastem o Espírito mau; devemos lembrar-nos desta máxima: ajuda-te a ti mesmo e o céu te ajudará e rogar-lhes, sobretudo, a força que nos falta para vencermos os nossos maus pendores, que são, para nós, piores que os maus Espíritos, porquanto são esses pendores que os atraem, como a podridão atrai as aves de rapina.

Orando também pelo Espírito obsessor, retribuir-lhe-emos com o bem o mal que nos queira e nos mostraremos melhores do que ele, o que já é uma superioridade. Com perseverança, acaba-se as mais das vezes por induzi-lo à posse de melhores sentimentos e a transformá-lo de perseguidor em amigo grato.

Em resumo:

A prece fervorosa e os esforços sérios que a criatura faça por melhorar-se constituem os únicos meios de ela afastar os maus Espíritos, que reconhecem como seus senhores aqueles que praticam o bem, enquanto que as fórmulas lhes provocam o riso, do mesmo modo que a cólera e a impaciência os excitam. Precisa o perseguido cansá-los, demonstrando-se mais paciente do que eles.

Por vezes acontece que a subjugação avulta até ao ponto de paralisar a vontade do obsidiado, do qual nenhum concurso sério se pode esperar. Aí, principalmente, é que a intervenção de terceiros se torna necessária, quer por meio da prece, quer pela ação magnética. Mas, também a força dessa intervenção depende do ascendente moral que os interventores possam ter sobre os Espíritos; se não valerem mais do que estes, improfícua será a ação que desenvolvam.

A ação magnética, no caso, tem por efeito introduzir no fluido do obsidiado um fluido melhor e eliminar o do mau Espírito. Ao operar, deve o magnetizador objetivar duplo fim: o de opor a uma força moral outra força moral e produzir sobre o paciente uma espécie de reação química, para nos servirmos de uma comparação material, expelindo um fluido com o auxílio de outro fluido.

Dessa forma, não só opera um desprendimento salutar, como igualmente fortalece os órgãos enfraquecidos por longa e vigorosa constrição.

Compreende-se, em suma, que o poder da ação fluídica está na razão direta não somente da energia da vontade, mas, sobretudo, da qualidade do fluido introduzido e, segundo o que deixamos dito, que essa qualidade depende da instrução e das qualidades morais do magnetizador.

Daí se segue que um magnetizador ordinário, que atuasse maquinalmente, apenas por magnetizar, fraco ou nenhum efeito produziria.

É de toda a necessidade um magnetizador espírita, que atue com conhecimento de causa, com a intenção de obter, não o sonambulismo ou uma cura orgânica, porém, os resultados que vimos de descrever.

É, além disso, evidente que uma ação magnética dirigida neste sentido não pode deixar de ser muito proveitosa nos casos de obsessão ordinária, porque, então, se o magnetizador tem a auxiliá-lo a vontade do obsidiado, o Espírito se vê combatido por dois adversários em lugar de um.

Cumpre também dizer que amiúde se atribuem aos Espíritos maldades de que eles são inocentes. Alguns estados doentios e certas aberrações que se lançam à conta de uma causa oculta, derivam do Espírito do próprio indivíduo.

As contrariedades que de ordinário cada um concentra em si mesmo, principalmente os desgostos amorosos, dão lugar, com freqüência, a atos excêntricos, que fora errôneo considerar-se fruto da obsessão. O homem não raramente é o obsessor de si mesmo.

Acrescentemos, por fim, que algumas obsessões tenazes, sobretudo em pessoas de mérito, fazem às vezes parte das provações a que essas pessoas estão sujeitas. Acontece mesmo que a obsessão, quando simples, é uma tarefa imposta ao obsidiado, qual a de trabalhar pela regeneração do obsessor, como um pai pela de um filho vicioso.

Em geral, a prece é poderoso meio auxiliar da libertação dos obsidiados; nunca, porém, a prece só de palavras, dita com indiferença e como uma fórmula banal, será eficaz em semelhante caso. Faz-se mister uma prece ardente, que seja ao mesmo tempo uma como magnetização mental. Pelo pensamento, pode-se encaminhar para o paciente uma corrente fluídica salutar, cuja potência guarda relação com a intenção.

A prece, pois, não tem apenas por efeito invocar um auxílio estranho, mas exercer uma ação fluídica. O que uma pessoa, só, não pode fazer, podem-no, quase sempre, muitas pessoas unidas pela intenção numa prece coletiva e reiterada, visto que o número aumenta a potencialidade da ação.

59. A experiência comprova a ineficácia do exorcismo, nos casos de possessão, e provado está que quase sempre aumenta o mal, em vez de atenuá-lo. A razão se encontra em que a influência está toda no ascendente moral exercido sobre os maus Espíritos e não num ato exterior, na virtude das palavras e dos gestos. O exorcismo consiste em cerimônias e fórmulas de que zombam os maus Espíritos que, entretanto, cedem à autoridade moral que se lhes impõe.

Eles vêem que os querem dominar por meios impotentes, que pensam intimidá-los por um vão aparato e, então, se empenham em mostrar-se os mais fortes e para isso redobram de esforços. São quais cavalos espantadiços que dão em terra com o cavaleiro inábil e que obedecem quando topam com um que os governa. Ora, aqui, quem realmente
manda é o homem de coração mais puro, porque é a ele que os bons Espíritos de preferência atendem.

60. O que pode um Espírito fazer com um indivíduo, podem-no muitos Espíritos com muitos indivíduos simultaneamente e dar à obsessão caráter epidêmico. Uma nuvem de maus Espíritos invade uma localidade e aí se manifestam de diversas maneiras. Foi uma epidemia desse gênero
que se abateu sobre a Judéia ao tempo do Cristo. Ora, o Cristo, pela sua imensa superioridade moral, tinha sobre os demônios ou maus Espíritos tal autoridade, que bastava lhes ordenasse que se retirassem para que eles o fizessem e, para isso, não empregava fórmulas nem gestos ou sinais.

61. O Espiritismo se funda na observação dos fatos que resultam das relações entre o mundo visível e o mundo invisível.

Estando na ordem dos da natureza, esses fatos se produziram em todas as épocas e abundam principalmente nos livros sagrados de todas as religiões, pois que serviram de base à maioria das crenças.

Por não os terem os homens compreendido, é que a Bíblia e os Evangelhos apresentam tantas passagens obscuras e que foram interpretadas em sentidos diferentes. O Espiritismo traz a chave que lhes facilitará a inteligência.

Allan Kardec

Obras Póstumas
Primeira Parte – Manifestações dos Espíritos VII -Caráter e Conseqüências Religiosas das Manifestações dos Espíritos

Escolhos da Mediunidade




70. Um dos maiores escolhos da mediunidade é a obsessão,isto é, o domínio que certos Espíritos podem exercer sobre os médiuns, impondo-se-lhes sob nomes apócrifos e impedindo que se comuniquem com outros Espíritos.

É também um obstáculo que se depara a todo observador novato e inexperiente que, não conhecendo os caracteres desse fenômeno, pode ser iludido pelas aparências, como aquele que, desconhecendo a medicina, pode enganar-se sobre a causa e natureza de qualquer mal.

Se o estudo prévio, neste caso, é útil para o observador,mais indispensável é ao médium, a quem fornece os meios de prevenir um inconveniente que lhe poderia trazer bem desagradáveis conseqüências. Assim, é pouca toda a recomendação para que o estudo preceda à prática.

71. A obsessão apresenta três graus principais bem característicos: a obsessão simples, a fascinação e a subjugação.

No primeiro, o médium tem perfeitamente consciência de não obter coisa alguma boa; ele não se ilude acerca da natureza do Espírito que se obstina em se lhe manifestar, e do qual deseja desembaraçar-se.

Este caso não oferece gravidade alguma: é um simples incômodo, do qual o médium se liberta, deixando momentaneamente de escrever.

O Espírito, cansando-se de não ser ouvido, acaba por se retirar. A fascinação obsessional é muito mais grave, porque nela o médium é completamente iludido.

O Espírito que o domina apodera-se de sua confiança, a ponto de impedi-lo de julgar as comunicações que recebe, fazendo-lhe achar sublimes os maiores absurdos.

O caráter distintivo deste gênero de obsessão é provocar no médium uma excessiva suscetibilidade e levá-lo a não acreditar bom, justo e verdadeiro senão o que ele escreve; a repelir e, mesmo, considerar mau todo conselho e toda observação crítica, preferindo romper com os amigos a convencer-se de que está sendo enganado; a encher-se de inveja contra os outros médiuns cujas comunicações sejam julgadas melhores que as suas; a querer impor-se nas reuniões espíritas,das quais se afasta quando não pode dominá-las.

Essa atuação do Espírito pode chegar ao ponto de ser o indivíduo conduzido a dar os passos mais ridículos e comprometedores.

72. Um dos caracteres distintivos dos maus Espíritos é a imposição; eles dão ordens e querem ser obedecidos; os bons nunca se impõem; dão conselhos, e, se não são atendidos, retiram-se.

Resulta daí que a impressão que em nós produzem os maus Espíritos é sempre penosa, fatigante e muitas vezes desagradável; ela provoca uma agitação febril, movimentos bruscos e desordenados; a dos bons, pelo contrário, é calma, branda e agradável.

73. A subjugação obsessional, designada outrora sob o nome de possessão, é um constrangimento físico exercido sempre por Espíritos da pior espécie e que pode ir à neutralização do livre-arbítrio do paciente.

Ela se limita, muitas vezes, a simples impressões desagradáveis; porém, muitas vezes provoca movimentos desordenados, atos insensatos, gritos, palavras injuriosas ou incoerentes, de que o subjugado, às vezes, compreende o ridículo, mas não pode abster-se.

Este estado difere essencialmente da loucura patológica com que erradamente a confundem, pois na possessão não há lesão orgânica alguma; sendo diversa a causa, outros devem ser também os meios de curá-la.

A aplicação do processo ordinário das duchas e tratamentos corporais poderá, muitas vezes, determinar o aparecimento de uma verdadeira loucura, onde só havia uma causa moral.

74. Na loucura propriamente dita, a causa do mal é interna; importa restituir o organismo ao seu estado normal; na subjugação, essa causa é externa, e tem-se necessidade de libertar o doente de um inimigo invisível, não lhe opondo remédios materiais, porém uma força moral superior à dele.

A experiência prova que nunca, em tal caso, os exorcismos produziram resultado satisfatório: antes agravaram que minoraram a situação.

Indicando a verdadeira fonte do mal, só o Espiritismo pode dar os meios de combatê-lo, fazendo a educação moral do Espírito obsessor; por conselhos prudentemente dirigidos, chega-se a torná-lo melhor e a fazê-lo renunciar voluntariamente à atormentação do enfermo, que então fica livre.

75. A subjugação obsessional é ordinariamente individual; quando, porém, uma falange de Espíritos maus se lança sobre uma povoação, ela pode apresentar caráter epidêmico.

Foi um fenômeno desse gênero que se verificou ao tempo do Cristo; só um poder moral superior podia então domar esses entes malfazejos, designados sob o nome de demônios, e restituir a calma às suas vítimas.

76. Um fato importante a considerar-se é que a obsessão, qualquer que seja a sua natureza, é independente da mediunidade, e que ela se encontra, de todos os graus, principalmente do último, em grande número de pessoas que nunca ouviram falar de Espiritismo.

De fato, os Espíritos, tendo existido em todos os tempos, têm sempre exercido a mesma influência; a mediunidade não é uma causa, mas simples modo de manifestação dessa influência; pelo que podemos dizer com certeza que todo médium obsidiado sofre de um modo qualquer e, muitas vezes, nos atos mais comuns da sua vida, os efeitos dessa influência que, sem a mediunidade, se manifestaria por outros efeitos, muitas vezes atribuídos a enfermidades misteriosas, que escapam às investigações da medicina.

Pela mediunidade o ente maléfico denuncia a sua presença; sem ela, é um inimigo oculto, de quem se não desconfia.

77. Os que repelem tudo que não afete os nossos sentidos, não admitem essa causa oculta; mas, quando a Ciência tiver saído da senda materialista, reconhecerá na ação do mundo invisível que nos cerca, e no meio do qual vivemos, um poder que reage sobre as coisas físicas, assim como sobre as morais; será um novo caminho aberto ao progresso e a chave de grande número de fenômenos até hoje mal compreendidos.

78. Como a obsessão nunca pode ser produto de um bom Espírito, torna-se um ponto essencial o saber reconhecer-se a natureza dos que se apresentam.

O médium não esclarecido pode ser enganado pelas aparências, mas o prevenido percebe o menor sinal suspeito, e o Espírito, vendo que nada pode fazer, retira-se.

O conhecimento prévio dos meios de distinguir os bons dos maus Espíritos é, pois, indispensável ao médium que se não quer expor a cair num laço. Ele o é também ao simples observador, que pode, por esse meio, apreciar o justo valor do que vê e ouve.

O Que é o Espiritismo?
Capítulo 2

Loucura, Suicídio e Obsessão




V. — Certas pessoas consideram as idéias espíritas como capazes de perturbar as faculdades mentais, pelo que acham prudente deter-lhes a propagação.

A. K. — Deveis conhecer o provérbio: “Quem quer matar o cão — diz que o cão está danado.”

Não é, portanto, estranhável que os inimigos do Espiritismo procurem agarrar-se a todos os pretextos; como este lhes pareceu próprio para despertar temores e suscetibilidades, empregam-no logo, conquanto não resista ao mais ligeiro exame. Ouvi, pois, a respeito dessa loucura, o raciocínio de um louco.

Todas as grandes preocupações do espírito podem ocasionar a loucura; as ciências, as artes, a religião mesmo, fornecem o seu contingente. A loucura provém de um certo estado patológico do cérebro, instrumento do pensamento; estando o instrumento desorganizado, o pensamento fica alterado.

A loucura é, pois, um efeito consecutivo, cuja causa primária é uma predisposição orgânica, que torna o cérebro mais ou menos acessível a certas impressões; e isto é tão real que encontrareis pessoas que pensam excessivamente e não ficam
loucas, ao passo que outras enlouquecem sob o influxo da menor excitação.

Existindo uma predisposição para a loucura, toma esta o caráter de preocupação principal, que então se torna idéia fixa; esta poderá ser a dos Espíritos, num indivíduo que deles se tenha ocupado, como poderá ser a de Deus, dos anjos, do diabo, da fortuna, do poder, de uma ciência, da maternidade,
de um sistema político ou social. É provável que o louco religioso se tivesse tornado um louco espírita, se o Espiritismo fosse a sua preocupação dominante.

É certo que um jornal disse que se contavam, só em uma localidade da América, de cujo nome não me recordo, 4.000 casos de loucura espírita; mas é também sabido que os nossos adversários têm a idéia fixa de se crerem os únicos dotados de razão; é uma esquisitice como outra qualquer. Para eles, nós somos todos dignos de um hospital de doidos, e, por conseqüência, os 4.000 espíritas da localidade em questão eram considerados como loucos.

Dessa espécie, os Estados Unidos contam centenas de milhares, e todos os países do mundo um número ainda muito maior. Esse gracejo de mau gosto começa a não ter valor, desde que tal moléstia vai invadindo as classes mais elevadas da sociedade.

Falam muito do caso de Vitor Hennequin, mas se esquecem que, antes de se ocupar com os Espíritos, já ele havia dado provas de excentricidade nas suas idéias; se as mesas girantes não tivessem então aparecido (as quais, segundo um trocadilho bem espirituoso dos nossos adversários, lhe fizeram girar a cabeça), sua loucura teria seguido outro rumo.

Eu digo, pois, que o Espiritismo não tem privilégio algum, nesse sentido; mas vou ainda além: afirmo que, bem compreendido, ele é um preservativo contra a loucura e o suicídio.

Entre as causas mais numerosas de excitação cerebral, devemos contar as decepções, os desastres, as afeições contrariadas, as quais são também as mais freqüentes causas dosuicídio. Ora, o verdadeiro espírita vê as coisas deste mundo de um ponto de vista tão elevado, que as tribulações não são para eles senão os incidentes desagradáveis de uma viagem.

Aquilo que em outro qualquer produziria violenta comoção, afeta-o mediocremente. Ele sabe que os dissabores da vida são provas que servirão para o seu adiantamento, se as sofrer sem murmurar, porque sua recompensa será proporcional à coragem com que as houver suportado. Suas convicções dão-lhe, pois, uma resignação que o preserva do desespero e, por conseqüência, de uma causa incessante de loucura e de suicídio.

Ele sabe, além disso, pelo espetáculo que lhe dão as comunicações com os Espíritos, a sorte deplorável dos que abreviam voluntariamente os seus dias, e este quadro é bem de molde a fazê-lo refletir; também é considerável o número dos que por esse meio têm sido detidos nesse funesto declive. É um dos grandes resultados do Espiritismo.

Em o número das causas de loucura, devemos também colocar o medo, principalmente do diabo, que já tem desarranjado mais de um cérebro. Sabe-se o número de vítimas que se tem feito, ferindo as imaginações fracas com esse painel que, por detalhes horrorosos, capricham em tornar mais assustador.

O diabo, dizem, só causa medo às crianças, é um freio para corrigi-las; sim, como o papão e o lobisomem, que as contêm por algum tempo, tornando-se elas piores que antes, quando lhes perdem o medo; mas, em troca desse pequeno resultado, não contam as epilepsias que têm sua origem nesse abalo de cérebros tão delicados.

Não confundamos a loucura patológica com a obsessão; esta não provém de lesão alguma cerebral, mas da subjugação que Espíritos malévolos exercem sobre certos indivíduos, e que, muitas vezes, têm as aparências da loucura propriamente dita. Esta afecção, muito freqüente, é independente de qualquer crença no Espiritismo e existiu em todos os tempos. Neste caso, a medicação comum é impotente e mesmo prejudicial.

Fazendo conhecer esta nova causa de perturbação orgânica, o Espiritismo nos oferece, ao mesmo tempo, o único meio de vencê-la, agindo não sobre o enfermo, mas sobre o Espírito obsessor. O Espiritismo é o remédio e não a causa do mal.

Livro: O Que é o Espiritismo?
Capítulo I

Qualidade dos Médiun




79. A faculdade mediúnica é uma propriedade do organismo e não depende das qualidades morais do médium; ela se nos mostra desenvolvida, tanto nos mais dignos, como nos mais indignos. Não se dá, porém, o mesmo com a preferência que os Espíritos bons dão ao médium.

80. Os Espíritos bons se comunicam mais ou menos de boa vontade por esse ou aquele médium, segundo a simpatia que lhe votam.

A boa ou má qualidade de um médium não deve ser julgada pela facilidade com que ele obtém comunicações, mas por sua aptidão em recebê-las boas e em não ser ludibriado pelos Espíritos levianos e enganadores.

81. Os médiuns menos moralizados recebem também, algumas vezes, excelentes comunicações, que não podem vir senão de bons Espíritos, o que não deve ser motivo de espanto: é muitas vezes no interesse dos médiuns e com o fim de dar–lhes sábios conselhos.

Se eles os desprezam, maior será a sua culpa, porque são eles que lavram a sua própria condenação. Deus, cuja bondade é infinita, não pode recusar assistência àqueles que mais necessitam dela. O virtuoso missionário que vai moralizar os criminosos, não faz mais que os bons Espíritos com os médiuns imperfeitos.

De outra sorte, os bons Espíritos, querendo dar um ensino útil a todos, servem-se do instrumento que têm à mão; porém, deixam-no logo que encontram outro que lhes seja mais afim e melhor se aproveite de suas lições.

Retirando-se os bons Espíritos, os inferiores, que pouco se importam com as más qualidades morais do médium, acham então o campo livre. Resulta daí que os médiuns imperfeitos, moralmente falando, os que não procuram emendar-se, tarde ou cedo são presas dos maus Espíritos, que, muitas vezes, os conduzem à ruína e às maiores desgraças, mesmo na vida terrena.

Quanto à sua faculdade, tão bela no começo e que assim devia ter sido conservada, perverte-se pelo abandono dos bons Espíritos, e, afinal, desaparece.

82. Os médiuns de mais mérito não estão ao abrigo das mistificações dos Espíritos embusteiros; primeiro, porque não há ainda, entre nós, pessoa assaz perfeita, para não ter algum lado fraco, pelo qual dê acesso aos maus Espíritos; segundo, porque os bons Espíritos permitem mesmo, às vezes, que os maus venham, a fim de exercitarmos a nossa razão, aprendermos a distinguir a verdade do erro e ficarmos de prevenção, não aceitando cegamente e sem exame tudo quanto nos venha dos Espíritos; nunca, porém, um Espírito bom nos virá enganar; o erro, qualquer que seja o nome que o apadrinhe, vem de uma fonte má.

Essas mistificações ainda podem ser uma prova para a paciência e perseverança do espírita, médium ou não; e aqueles que desanimam, com algumas decepções, dão prova aos bons Espíritos de que não são instrumentos com que eles possam contar.

83. Não nos deve admirar ver maus Espíritos obsidiarem pessoas de mérito, quando vemos na Terra homens de bem perseguidos por aqueles que o não são.

É digno de nota que, depois da publicação de O Livro dos Médiuns, o número de médiuns obsidiados diminuiu muito; os médiuns, prevenidos, tornam-se vigilantes e espreitam os menores indícios que lhes podem denunciar a presença de mistificadores.

A maioria dos que se mostram ainda nesse estado não fizeram o estudo prévio recomendado, ou não deram importância aos conselhos que receberam.

84. O que constitui o médium, propriamente dito, é a faculdade; sob este ponto de vista, pode ser mais ou menos formado, mais ou menos desenvolvido.

O médium seguro, aquele que pode ser realmente qualificado de bom médium, é o que aplica a sua faculdade, buscando tornar-se apto a servir de intérprete aos bons Espíritos.

O poder que tem o médium de atrair os bons e repelir os maus Espíritos, está na razão da sua superioridade moral, da posse do maior número de qualidades que constituem o homem de bem; é por esses dotes que se concilia a simpatia dos bons e se adquire ascendência sobre os maus Espíritos.

85. Pelo mesmo motivo, as imperfeições morais do médium, aproximando-o da natureza dos maus Espíritos, tiram-lhe a influência necessária para afastá-los de si; em vez de se impor, sofre a imposição destes.

Isto não só se aplica aos médiuns, como também a todos indistintamente, visto que ninguém há que não esteja sujeito à influência dos Espíritos. (Vede acima, números 74 e 75.)

86. Para impor-se ao médium, os maus Espíritos sabem explorar habilmente todas as suas fraquezas, e, entre os nossos defeitos, o que lhes dá margem maior é o orgulho, sentimento que se encontra mais dominante na maioria dos médiuns obsidiados e, principalmente, nos fascinados. É o orgulho que faz se julguem infalíveis e repilam todos os conselhos.

Esse sentimento é infelizmente excitado pelos elogios de que são objeto; basta que um médium apresente faculdade um pouco transcendente, para que o busquem, o adulem, dando lugar a que ele exagere sua importância e se julgue como indispensável, o que vem a perdê-lo.

87. Enquanto o médium imperfeito se orgulha pelos nomes ilustres, freqüentemente apócrifos, que assinam as comunicações por ele recebidas e se considera intérprete privilegiado das potências celestes, o bom médium nunca se crê assaz digno de tal favor; ele tem sempre uma salutar desconfiança do merecimento do que recebe e não se fia no seu próprio juízo; não sendo senão instrumento passivo, compreende que o bom resultado não lhe confere mérito pessoal, como nenhuma responsabilidade lhe cabe pelo mau; e que seria ridículo crer na identidade absoluta dos Espíritos que se lhe manifestam.

Deixa que terceiros, desinteressados, julguem do seu trabalho, sem que o seu amor-próprio se ofenda por qualquer decisão contrária, do mesmo modo que um ator não se pode dar por ofendido com as censuras feitas à peça de que é intérprete.

O seu caráter distintivo é a simplicidade e a modéstia; julga-se feliz com a faculdade que possui, não por vanglória, mas por lhe ser um meio de tornar-se útil, o que faz de boa mente quando se lhe oferece ocasião, sem jamais incomodar–se por não o preferirem aos outros.

Os médiuns são os intermediários, os intérpretes dos Espíritos; ao evocador e, mesmo, ao simples observador, cabe apreciar o mérito do instrumento.

88. Como todas as outras faculdades, a mediunidade é um dom de Deus, que se pode empregar tanto para o bem quanto para o mal, e da qual se pode abusar. Seu fim é pôr-nos em relação direta com as almas daqueles que viveram, a fim de recebermos ensinamentos e iniciações da vida futura.

Assim como a vista nos põe em relação com o mundo visível, a mediunidade nos liga ao invisível.

Aquele que dela se utiliza para o seu adiantamento e o de seus irmãos, desempenha uma verdadeira missão e será recompensado. O que abusa e a emprega em coisas fúteis ou para satisfazer interesses materiais, desvia-a do seu fim providencial, e, tarde ou cedo, será punido, como todo homem que faça mau uso de uma faculdade qualquer.

Livro: O Que é o Espiritismo?
Capítulo II

Médiuns e Feiticeiros


V. — Desde que a mediunidade não é mais que um meio de entrar em relação com as potências ocultas, médiuns e feiticeiros são mais ou menos a mesma coisa.

A. K. — Em todos os tempos houve médiuns naturais e inconscientes que, pelo simples fato de produzirem fenômenos insólitos e incompreendidos, foram qualificados de feiticeiros e acusados de pactuarem com o diabo; foi o mesmo que se deu com a maioria dos sábios que dispunham de conhecimentos acima do vulgar.

A ignorância exagerou seu poder e, muitas vezes, eles mesmos abusaram da credulidade pública, explorando-a; daí a justa reprovação que os feriu.

Basta-nos comparar o poder atribuído aos feiticeiros com a faculdade dos verdadeiros médiuns, para conhecermos a diferença, mas a maioria dos críticos não se quer dar a esse trabalho.

Longe de fazer reviver a feitiçaria, o Espiritismo a aniquila, despojando-a do seu pretenso poder sobrenatural, de suas fórmulas, engrimanços, amuletos e talismãs, e reduzindo a seu justo valor os fenômenos possíveis, sem sair das leis naturais.

A semelhança que certas pessoas pretendem estabelecer, provém do erro em que estão, julgando que os Espíritos estão às ordens dos médiuns; repugna à sua razão crer que um indivíduo qualquer possa, à vontade, fazer comparecer o Espírito de tal ou tal personagem, mais ou menos ilustre; nisto eles estão perfeitamente com a verdade, e, se antes de apedrejarem o Espiritismo, se tivessem dado ao trabalho de estudá-lo, veriam que ele diz positivamente que os Espíritos não estão sujeitos aos caprichos de ninguém, que ninguém pode, à vontade, constrangê-los a responder ao seu chamado; do que se conclui que os médiuns não são feiticeiros.

V. — Neste caso, todos os efeitos que certos médiuns acreditados obtém, à vontade e em público, não são, ao vosso ver, senão charlatanice?

A. K. — Não o digo em absoluto. Tais fenômenos não são impossíveis, porque há Espíritos de baixa categoria que se podem prestar à sua produção e que se divertem, talvez por já terem sido prestidigitadores na vida terrena; também há médiuns especialmente próprios para esse gênero de manifestações; porém, o vulgar bom-senso repele a idéia de virem os Espíritos, por menos elevados que sejam, representar palhaçadas e fazer escamoteações para divertimento dos curiosos.

A obtenção desses fenômenos à vontade, e sobretudo em público, é sempre suspeita; neste caso a mediunidade e a prestidigitação se tocam tão de perto que é difícil muitas vezes distingui-las; antes de vermos nisso a ação dos Espíritos, devemos observar minuciosamente e ter em conta, quer o caráter e os antecedentes do médium, quer um grande número de circunstâncias que só o estudo da teoria dos fenômenos espíritas nos pode fazer apreciar.

Deve-se notar que esse gênero de mediunidade, quando mediunidade nisso exista, limita-se a produzir sempre o mesmo fenômeno, salvo pequenas variantes, o que não é muito próprio para dissipar dúvidas. O desinteresse absoluto é a melhor garantia de sinceridade.

Qualquer que seja o grau de veracidade desses fenômenos, como efeitos mediúnicos, eles produzirão bom resultado, por darem voga à idéia espírita. A controvérsia que se estabelece a respeito provoca em muitas pessoas um estudo mais aprofundado.

Não é certamente aí que se deve ir beber instruções sérias sobre o Espiritismo, nem sobre a filosofia da doutrina; porém, é um meio de chamar a atenção dos indiferentes e obrigar os recalcitrantes a falarem dele.

Livro: O Que é o Espiritismo?
Capítulo I

Dificuldades com se Deparam os Médiuns




A mediunidade é uma faculdade multiforme; apresenta uma infinidade de nuanças em seus meios e em seus efeitos.

Aquele que é apto para receber ou transmitir as comunicações dos Espíritos é, por isso mesmo, um médium, seja qual for o meio empregado ou o grau de desenvolvimento da faculdade – desde a simples influência oculta até a produção dos mais insólitos fenômenos.

Contudo, no uso corrente, o vocábulo tem uma acepção mais restrita e se diz geralmente das pessoas dotadas de uma potência mediatriz muito grande, tanto para produzir efeitos físicos quanto para transmitir o pensamento dos Espíritos pela escrita ou pela palavra.

Posto não seja a faculdade um privilégio exclusivo, é certo que encontra refratários, pelo menos no sentido a ela ligado. Também é certo que não deixa de apresentar escolhos aos que a possuem: pode alterar-se e, até, perder-se e, muitas vezes, ser uma fonte de graves desilusões.

Sobre tal ponto julgamos útil chamar a atenção de todos quantos se ocupam de comunicações espíritas, quer diretamente, quer através de terceiros. Através de terceiros, dizemos, porque importa aos que se servem de médiuns poder apreciar o valor e a confiança que merecem suas comunicações.

O dom da mediunidade depende de causas ainda não perfeitamente conhecidas e nas quais parece que o físico tem uma grande parte. À primeira vista pareceria que um dom tão precioso não devesse ser partilhado apenas por almas de escol.

Ora, a experiência prova o contrário, pois encontramos mediunidade potente em criaturas cuja moral deixa muito a desejar, enquanto que outras, estimáveis sob todos os pontos, não a possuem. Aquele que fracassa, a despeito dos seus desejos, esforços e perseverança, não deve tirar conclusões desfavoráveis à sua pessoa nem julgar-se indigno da benevolência dos Espíritos.

Se tal favor lhe não é concedido, outros há, sem dúvida, que lhe podem oferecer ampla compensação. Pela mesma razão aquele que a desfruta não poderia dela prevalecer-se, pois a mediunidade não lhe é nenhum signo de mérito pessoal.O mérito, pois, não está na posse da faculdade mediatriz, que a todos pode ser dada, mas no uso que dela fazemos.

Eis uma distinção capital, que jamais deve-se perder de vista: a bondade do médium não está na facilidade das comunicações, mas exclusivamente na sua aptidão para só receber as boas.

Ora, é aqui que as condições morais em que ele se acha são potentes; aqui também ele encontra os maiores escolhos.

Para se dar conta deste estado de coisas e compreender o que vamos dizer, é necessário reportar-se ao princípio fundamental que entre os Espíritos há todos os graus do bem e do mal, do saber e da ignorância; que os Espíritos pululam em redor de nós e que quando nos julgamos sós, estamos incessantemente rodeados de seres que nos acotovelam, uns com indiferença, como estranhos, outros que nos observam com intenções mais ou menos benevolentes, conforme sua natureza.

O provérbio “Os iguais se atraem” tem sua aplicação entre os Espíritos, como entre nós; e mais ainda entre eles, se possível, porque não estão, como nós, sob a influência das considerações sociais.

Contudo, se, entre nós, estas considerações algumas vezes confundem homens de costumes e gostos muito diversos, tal confusão, de certo modo, é apenas material e transitória: a similitude ou a divergência de pensamentos será sempre a causa das atrações e repulsões.

Nossa alma que, afinal de contas, não é mais que um Espírito encarnado, não passa mesmo de um Espírito. Se se revestiu momentaneamente de um envoltório material, suas relações com o mundo incorpóreo, posto que menos fáceis do que quando no estado de liberdade, nem por isso são interrompidas de modo absoluto; o pensamento é o laço que nos une aos Espíritos, e pelo pensamento nos atraímos os que simpatizam com as nossas idéias e inclinações.

Representamos, pois, a massa dos Espíritos que nos envolvem como a multidão que encontramos no mundo; onde quer que vamos especialmente, encontramos homens atraídos pelos mesmos gostos e pelos mesmos desejos; às reuniões que tem objetivo sério vão homens sérios; as que são frívolas vão os frívolos.

Por toda a parte encontram-se Espíritos atraídos pelo pensamento dominante. Se lançarmos um olhar sobre o estado moral da Humanidade em geral, compreenderemos sem dificuldade que nessa multidão oculta os Espíritos elevados não devem constituir maioria. É uma conseqüência do estado de inferioridade do nosso globo.

Os Espíritos que nos cercam não são passivos: formam uma população essencialmente inquieta, que pensa e age sem cessar, que nos influencia, mau grado nosso, que nos excita e nos dissuade, que nos impulsiona para o bem ou para o mal, o que não nos tira o livre arbítrio mais que os bons ou maus conselhos que recebemos de nossos semelhantes.

Entretanto, quando os Espíritos imperfeitos solicitam alguém a fazer uma coisa má, sabem eles muito bem a quem se dirigem e não vão perder o tempo onde vêem que serão mal recebidos; eles nos excitam conforme as nossas inclinações ou conforme os germens que em nós vêem e segundo as nossas disposições para os escutar. Eis por que o homem firme nos princípios do bem não lhes serve de presa.

Estas considerações nos conduzem naturalmente ao problema dos médiuns. Como todas as criaturas, estes são submetidos à influência oculta dos Espíritos bons e maus; atraem-nos e repelem-nos conforme as simpatias de seu próprio Espírito e os Espíritos maus aproveitam-se de todas as falhas, como de uma falta de couraça, para aproximarem-se deles, introduzindo-se, mau grado seu, em todos os atos de sua vida privada.

Além disso, tais Espíritos, encontrando no médium um meio de expressar seu pensamento de modo inteligível e atestar sua presença, misturam-se nas comunicações e as provocam, porque assim esperam ter mais influência, acabando por um completo domínio.

Consideram-se como na própria casa, afastam os Espíritos que se poderiam contrapor e, conforme a necessidade, lhes tomam os nomes e mesmo a linguagem, com o fito de enganar.

Mas não podem representar este papel por muito tempo: com um pouco de contato com um observador experimentado e não prevenido, logo eles são desmascarados.

Se o médium se deixa dominar por essa influência, os bons Espíritos se afastam, ou absolutamente não vem quando chamados, ou vem com certa repugnância, porque vêem que o Espírito que está identificado com o médium, e neste estabeleceu o seu domicílio, pode alterar as suas instruções.

Se tivermos que escolher um interprete, um secretário, um mandatário qualquer, é evidente que escolheremos não só um homem capaz, mas, ainda, da nossa estima; não confiaremos uma delicada missão e os nossos interesses a um tarado ou a um freqüentador de uma sociedade suspeita.

Dá-se o mesmo com os Espíritos. Os Espíritos superiores não escolherão para transmitir instruções sérias a um médium que tem familiaridade com Espíritos levianos, “a menos que haja necessidade e que não encontrem no momento outros médiuns à disposição, a menos, ainda, que não queiram dar uma lição ao próprio médium”, como por vezes acontece; mas, então, dele só se servem acidentalmente, e o deixam logo que encontram um melhor; entregam-no as suas simpatias, se as têm.

O médium perfeito seria, pois, o que nenhum acesso desse aos maus Espíritos, por um descuido qualquer. É condição muito difícil de realizar. Mas se a perfeição absoluta não e dada ao homem, por seus esforços sempre lhe é possível a aproximação; e os Espíritos levam em conta sobretudo os esforços, a força de vontade e a perseverança.

Assim, o médium perfeito não teria senão comunicações perfeitas de verdade e de moralidade. Desde que a perfeição é impossível, o melhor seria o que desse as melhores comunicações.

É pelas obras que podem ser julgados. As comunicações sistematicamente boas e elevadas, nas quais nenhum indício de inferioridade fosse notado, seriam incontestavelmente uma prova da superioridade moral do médium, porque atestariam simpatias felizes.

Por isto mesmo se o médium não é perfeito, Espíritos levianos, embusteiros e mentirosos podem misturar-se em suas comunicações, alterando-lhes a pureza e induzindo em erro, ao médium e aqueles que se lhes dirigem.

Eis o maior escolho do Espiritismo, cuja gravidade não dissimulamos.

É possível evitá-lo?

Dizemos em alto e bom som: sim, é possível, os meios não são difíceis e exigem apenas julgamento.

As boas intenções, a própria moralidade do médium nem sempre bastam para preservá-lo da intromissão dos Espíritos levianos, mentirosos e pseudo-sábios nas comunicações.

Além das falhas de seu próprio Espírito, pode lhe dar acesso por outras causas das quais a principal é a fraqueza de caráter e uma confiança excessiva na invariável superioridade dos Espíritos que se lhes comunicam. Essa confiança cega reside numa causa que a seguir explicaremos.

Se não quisermos ser vítimas de Espíritos levianos, é necessário julgá-los, para o que temos um critério infalível: o bom senso e a razão.

Sabemos que as qualidades de linguagem, que caracterizam, entre nós, os homens realmente bons e superiores, são as mesmas para os Espíritos: Devemos julgá-los por sua linguagem. Nunca seria demais repetir o que a caracteriza nos Espíritos elevados: é constantemente digna, nobre, sem basófia nem contradição, isenta de trivialidades, marcada por um cunho de benevolência.

Os bons Espíritos aconselham, não ordenam, não se impõem, calam-se naquilo que ignoram. Os Espíritos levianos falam com a mesma segurança do que sabem e do que não sabem; a tudo respondem sem se preocuparem com a verdade.

Em mensagem supostamente séria, vimo-los, com imperturbável aprumo, colocar César no tempo de Alexandre; outros afirmavam que não é a Terra que gira em redor do Sol.

Resumindo: toda expressão grosseira ou apenas inconveniente, toda marca de orgulho e de presunção, toda máxima contrária à sã moral, toda notória heresia científica é, nos Espíritos como nos homens, inconteste sinal de natureza má, de ignorância ou, pelo menos, de leviandade.

De onde se segue que é necessário pesar tudo quanto eles dizem, passando-o pelo crivo da lógica e do bom senso.

Eis uma recomendação feita incessantemente pelos bons Espíritos. Dizem eles: “Deus não vos deu raciocínio sem propósito. Servi-vos dele a fim de saber o que estais fazendo”. Os maus Espíritos temem o exame. Dizem eles: “Aceitai nossas palavras e não as julgueis”. Se tivessem a consciência de estar com a verdade, não temeriam a luz.

O hábito de perscrutar as menores palavras dos Espíritos, de lhes pesar o valor – do ponto de vista do conteúdo e não da forma gramatical, com que pouco se preocupam eles –, necessariamente afasta os Espíritos mal intencionados que, então, não vêm inutilmente perder o tempo, de vez que rejeitamos tudo quanto e mau ou tem origem suspeita.

Mas quando aceitamos cegamente tudo quanto dizem, quando, por assim dizer, ajoelhamo-nos ante sua pretensa sabedoria, eles fazem o que fariam os homens – abusam.

Se o médium for senhor de si, se não se deixar dominar por um entusiasmo irrefletido, poderá fazer o que aconselhamos. Mas acontece freqüentemente que o Espírito o subjuga a ponto de o fascinar, levando-o a considerar admiráveis as coisas mais ridículas; então ele se entrega cada vez mais a essa perniciosa confiança que, estribado em suas boas intenções e em seus bons sentimentos, julga suficientes para afastar os maus Espíritos.

Isto não basta: esses Espíritos ficam satisfeitos por fazê-lo cair na cilada, para o que aproveitam sua fraqueza e sua credulidade. Que fazer, então? Expor tudo a terceira pessoa interessada, para que esta, julgando com calma e sem prevenção, possa ver uma palha onde o médium não via uma trave.

A ciência espírita exige grande experiência e, como todas as ciências, filosóficas ou não, só é adquirida através de um estudo longo, assíduo e perseverante, e por numerosas observações.

Ela não abrange apenas o estudo dos fenômenos, propriamente ditos, mas também, e sobretudo, os costumes, se assim podemos dizer, do mundo oculto, desde o mais baixo ao mais alto degrau da escala.

Seria presunção julgar-se suficientemente esclarecido e graduado como mestre depois de alguns ensaios. Não seria esta pretensão de um homem sério, pois quem quer que lance um golpe de vista penetrante sobre esses estranhos mistérios vê desdobrar-se a sua frente um horizonte tão vasto que longos anos não bastam para o abranger. Há entretanto quem o queira fazer nalguns dias!

De todas as disposições morais, a que maior acesso oferece aos Espíritos imperfeitos é o orgulho. Este é para os médiuns um escolho tanto mais perigoso quanto menos o reconhecem.

É o orgulho que lhes dá a crença cega da superioridade dos Espíritos que se lhes apegam, porque se vangloriam de certos nomes que lhes impõem. Desde que um Espírito lhes diz: “eu sou fulano”, inclinam-se e não admitem dúvidas, porque seu amor próprio sofreria se, sob tal máscara, encontrassem um Espírito de condição inferior ou um malvado desprezível.

O Espírito percebe e aproveita o lado fraco, lisonjeia seu pretenso protegido, fala-lhe de origens ilustres, que o enchem ainda mais, promete-lhe um futuro brilhante, honra e fortuna, de que parece ser o dispensador: conforme a necessidade, afeta uma ternura hipócrita.

Como resistir a tanta generosidade? Numa palavra, zomba e o domina, trazendo-o pelo beiço, como se diz vulgarmente; sua felicidade é ter alguém sob sua dependência.

Interrogamos a vários deles sobre os motivos de sua obsessão. Um assim nos respondeu: “Quero ter um homem que me faça a vontade. É o meu prazer.” Quando lhe dissemos que vamos fazer tudo para demonstrar os seus artifícios e tirar a venda dos olhos de seu oprimido, disse: “Lutarei contra vós e não tereis resultado, porque farei tais coisas que ele não vos acreditará”.

E, com efeito, uma das táticas desses Espíritos malfazejos: inspiram a desconfiança e o afastamento das pessoas que os podem desmascarar e dar bons conselhos. Jamais acontece coisa semelhante com os bons Espíritos

. Todo Espírito que insufla a discórdia, que excita a animosidade, que entretém os dissentimentos revela, por isso mesmo, sua natureza má. Seria preciso ser cego para não o compreender e para crer que um bom Espírito possa arrastar a desinteligência.

Muitas vezes o orgulho se desenvolve no médium à medida que cresce a sua faculdade. Esta lhe dá importância. Procuram-no e ele acaba por sentir-se indispensável. Daí, muitas vezes, um tom de jactância e de pretensão ou uns ares de suficiência e de desdém, incompatíveis com a influencia de um bom Espírito.

Aquele que cai em tal engano está perdido, porque Deus lhe deu sua faculdade para o bem e não para satisfazer sua vaidade ou transformá-la em escada para a sua ambição.

Esquece que este poder, de que se orgulha, pode ser retirado e que, muitas vezes, só lhe foi dado como prova, assim como a fortuna para certas pessoas.

Se dele abusa, os bons Espíritos pouco a pouco o abandonam e ele se torna um joguete de Espíritos levianos, que o embalam com suas ilusões, satisfeitos por terem vencido aquele que se julgava forte. Foi assim que vimos o aniquilamento e a perda das mais preciosas faculdades que, sem isto, ter-se-iam tornado os mais poderosos e os mais úteis auxiliares.

Isto se aplica a todos os gêneros de médiuns, quer de manifestações físicas, quer para comunicações inteligentes. Infelizmente o orgulho é um dos defeitos que estamos menos inclinados a confessar a nós mesmos e, menos ainda, aos outros, porque não o acreditariam.

Ide, pois, dizer a um médium que se deixa conduzir como uma criança: ele virará as costas, dizendo que sabe conduzir-se e que não vedes as coisas claramente.

Podeis dizer a um homem que é bêbado, debochado, preguiçoso, incapaz e imbecil; ele rirá ou concordará; dizei-lhe que é orgulhoso e ficará zangado.

É a prova evidente que tereis dito a verdade. Neste caso os conselhos são tanto mais difíceis quanto mais o médium evita as pessoas que lhos pudessem dar; foge de uma intimidade que teme.

Sentindo que os conselhos são golpes desferidos em seu poder, os Espíritos o empurram ao contrário, para quem os alimente as ilusões. Prepara-se, assim, muitas decepções, com o que sofrerá muito o seu amor próprio. Feliz se não lhe resultarem, ainda, coisas mais graves.

Se insistimos longamente sobre este ponto foi porque nos demonstrou a experiência, em muitas ocasiões, que isto constitui uma das grandes pedras de tropeço para a pureza e a sinceridade das comunicações dos médiuns.

Diante disto, é quase inútil falar das outras imperfeições morais, tais como o egoísmo, a inveja, o ciúme, a ambição, a cupidez, a dureza de coração, a ingratidão, a sensualidade, etc.

Cada um compreende que elas são outras tantas portas abertas aos Espíritos imperfeitos ou, pelo menos, causas de fraqueza. Para repelir estes últimos não basta dizer-lhes que se vão; nem mesmo o querer e, ainda menos, os conjurar.

É necessário fechar-lhes a porta e os ouvidos, provar-lhes que se é mais forte – o que se é, incontestavelmente, pelo amor do bem, pela caridade, pela doçura, pela simplicidade, pela modéstia e pelo desinteresse, qualidade que nos conciliam com a benevolência dos bons Espíritos. É seu apoio que nos da força; e se eles por vezes nos deixam a braços com os maus, é uma prova para a nossa fé e para o nosso caráter.

Que os médiuns não se arreceiem demais da severidade das condições de que acabamos de falar: estas são lógicas, temos que convir, mas seria erro desanimar.

É certo que as más comunicações que podemos receber são índice de alguma fraqueza, mas nem sempre sinal de indignidade. Podemos ser fracos, porém bons. Em qualquer caso aí temos sempre um meio de reconhecer as próprias imperfeições.

Já dissemos no outro artigo que não é necessário ser médium para estar sob a influência de maus Espíritos, que agem na sombra. Com a faculdade mediúnica o inimigo se mostra e se trai: ficamos sabendo com quem tratamos, e poderemos combatê-lo. É assim que uma comunicação má pode tomar-se uma lição útil, se soubermos aproveitá-la.

Aliás, seria injusto levar todas as comunicações más à conta do médium. Falamos daquelas que são por ele obtidas fora de qualquer outra influência, e não das que são produzidas num meio qualquer.

Ora, todo o mundo sabe que os Espíritos atraídos por esse meio podem prejudicar as manifestações.

É regra geral que as melhores comunicações ocorrem na intimidade, num círculo concentrado e homogêneo. Em toda comunicação acham-se em jogo varias influências: a do médium, a do meio e a do interlocutor.

Estas influências podem reagir umas sobre as outras, neutralizando-se ou se corroborando: isto depende do fim a que nos propomos e do pensamento dominante. Vimos excelentes comunicações obtidas em reuniões com médiuns que não possuíam todas as condições desejáveis.

Nesse caso os bons Espíritos vinham por uma pessoa em particular, porque isto era útil. Também vimo-las más, obtidas por bons médiuns, unicamente porque o interrogante não tinha intenções sérias e atraía Espíritos levianos, que dele zombavam.

Tudo isto requer tato e observação. E compreende-se facilmente a preponderância que devem ter todas essas condições reunidas.

Allan Kardec

Livro: A Obsessão